Sobre ser pai e um domingo chuvoso
Num domingo chuvoso e muito triste, eu disse algo pro meu irmão que foi mais uma constatação muito pessoal que um conselho, propriamente: "Esse fim de semana é o começo da sua vida. A partir daqui, todas as escolhas, aprendizados e amadurecimentos que você teve vão entrar em ação e definir que tipo de homem você vai ser".
Era também um conselho. Em um intervalo de 48h meu irmão viu a vida dele virar de ponta-cabeça e (literalmente) cruzou um oceano para saber, no banco de passageiro de um Tiggo 5, no piso Porto Alegre do estacionamento do terminal 3 do aeroporto de Guarulhos, que a filha dele, então com 24 semanas na barriga da minha cunhada, havia nascido sem expectativa de sobreviver. Seguiu-se a isso uma viagem de 2h de choro, conversas profundas e expectativas de um futuro melhor até um hospital em Santos, o portal de entrada da nova vida dele. Que começava num luto, mas que exigiria dele tanta ou mais maturidade do que se ele efetivamente tivesse virado pai - e quem vai dizer que não virou?
Não sei quando eu vivi a minha versão desse momento, mas não paro de notar como ser pai atravessa minha existência. Outro dia vi a Joanna Maranhão retuitar uma jovem que lamentava como a maternidade muda a essência das mulheres. Joanna, com a sabedoria de quem viveu exatamente isso, disse a coisa mais natural do mundo: não tem como não mudar.
Você pode continuar a beber, continuar a foder, continuar a correr... Seus hábitos, suas amizades, seus interesses, tudo pode seguir ali. Às vezes é uma batalha mantê-los, não ceder ao impulso de se fechar no mundinho, viver a vida com os filhos, pelos filhos e só com eles. Porque "manter a essência" é custoso, exige dobrar sua energia, lidar com culpas e abstenções, balancear e fazer planos, se antecipar, saber quando é hora de se frustrar e segurar a barra. Mas mesmo fazendo tudo isso, você não é o mesmo.
É como um filtro de Photoshop, uma camada de responsabilidade que tá ali sempre. Você vê através disso. Dá pra deletar o layer? Sim, mas não recomendo, porque você também sabe como é bom quando chegam os primeiros “eu te amo” não estimulados do pequeno crocodilo que habita o quarto ao lado. Do calor carinhoso que te preenche quando sua recém-nascida se aninha no seu braço e dorme, mesmo aos soluços, no meio da primeira gripe. Do quão feliz você é quando o mais velho abre um sorriso na saída da escola, ou quando ele comete uma pequena genialidade irônica. Martin, 3, outro dia estava levando apavoro para não atirar a teia do Homem-Aranha (uma espécie de arminha de gatilho no formato de lança-teia. não me pergunte detalhes) na TV. Um “tiro” passou muito perto e o apavoro subiu de tom. Ele, com a maior cara de pau do mundo, contestou: "Mas pegou na TV, papai? Não, né?". Não pegou. Você ri, se irrita, se orgulha, e sai dali pra não perder autoridade.
É como um clube secreto, inacessível para quem não passa por isso, cansativo às vezes. Esse clipe do Gregorio Duvivier com o João Vicente Castro viralizou falando disso. Eu nem concordo muito com a elaboração do Gregorio, não acho que é essa doação que faz do “ser pai” algo tão legal. O que me chama atenção no corte é como dois idiomas são falados ali, ter ou não filhos define perfeitamente onde você está e o quanto você entende cada um dos lados - ainda que não seja exatamente um debate. Poucas coisas são mais chatas (e comuns) que estar num grupo de pais e se perceber há horas falando de inúmeras variações de um mesmo tema: os filhos. Viramos amigos de pessoas sem outros interesses pessoais que não a convivência dos pequenos, suas preferências, fases e problemas. Tudo que vem depois disso é bem-vindo, mas complementar.
Um amigo (Henrique Rojas) também postou como tem sofrido em adaptar-se enquanto pai. Que se sentia um pai muito mais exemplar de uma bebê que de uma jovem criança de 3 anos, já com suas vontades, birras e negociações. Me identifico muito. É um desafio se ver no outro e não saber como consertá-lo. Ter aquele impulso de avisar que esse caminho é muito mais duro e ao mesmo tempo saber que esse "toque" é o maior empurrão para que aquele gênio forte vá exatamente por ali. Preciso fazer terapia. Todos precisamos, provavelmente.